João Trindade
O FALSO ANACOLUTO
As figuras de linguagem se dividem em “figuras de palavras”; “figuras de pensamento” e “figuras de sintaxe”.
As últimas, como o próprio nome já diz, cuidam, especificamente, do elemento gramatical.
Falemos, hoje, sobre ANACOLUTO:
Anacoluto é a mudança de construção sintática, no meio do enunciado, quase sempre após uma pausa.
Observemos dois exemplos:
As mulheres, quem há de nelas confiar?
“Houve mão mais poderosa, zombou deles o Brasil (...)”
Repare que no primeiro exemplo a expressão “as mulheres” não teve seguimento com a expressão “quem há de nelas confiar”. O mesmo aconteceu no segundo exemplo: a expressão “houve mão mais poderosa” não é sequenciada com o termo “zombou deles”.
Em verdade, o anacoluto é mais usado do que se imagina; principalmente na linguagem falada, o que derruba aquela falsa noção de que as figuras de linguagem “não servem para nada”; é só para poetas e ficcionistas e só se vê em questões de provas de concurso.
Por fim, chego ao título:
Quase todos os repórteres de TV (e isso influencia na linguagem do povo) estão usando, frequentemente, uma expressão que NÃO É ANACOLUTO, mas sim ERRO:
“O deputado, ele saiu sem falar com a imprensa.”
Isso NÃO É ANACOLUTO, conforme tentou justificar um professor de redação, nas redes sociais.
Diferentemente das situações-exemplo citadas no começo do artigo, NÃO HOUVE QUEBRA DE PENSAMENTO e o termo “ele” nada mais é do que uma REPETIÇÃO do sujeito: “o deputado”.
Poder-se-ia simplesmente dizer:
“O deputado saiu sem falar com a imprensa”, omitindo-se o “ele”, sem prejuízo para aa frase; isso não aconteceria se fosse um verdadeiro anacoluto.
Estamos diante, na verdade, de algo que NÃO EXISTE na Língua: um sujeito pleonástico.
Ora, NÃO HÁ sujeito pleonástico!... Há, sim, objetos direto e indireto pleonásticos, como nos exemplos:
Minha tia, qualquer dia irei visitá-la (o pronome “la” repete o termo “minha tia”, que é objeto direto: irei visitar minha tia).
Aquela mulher, jamais gostei dela (o pronome “dela” repete o objeto indireto “aquela mulher”: jamais gostei daquela mulher).
ADVERTÊNCIA SOBRE O ENEM
Como a prova só começa à tarde, houvemos por bem chamar a atenção na nossa coluna:
A recente decisão judiciária sobre o ENEM não afeta a Competência nº 5 da prova de REDAÇÃO:
“ELABORAR PROPOSTA DE INTERVENÇÃO PARA O PROBLEMA ABORDADO, RESPEITANDO OS DIREITOS HUMANOS.”
Em verdade, a sentença apenas proíbe a atribuição da nota ZERO a quem desobedecer os Direitos Humanos.
Isso significa: o candidato que não alcançar a competência aludida perderá os pontos relativas a ela, na redação. E não são poucos.