A morte da voz passiva sintética
Certa vez, um colega de universidade me falou:
- Essa moça reprovou (sic) e está com a maior raiva de mim...
Estranhei, é claro, ao ouvir tais palavras, pois vinham de um professor. Deu até vontade de perguntar:
- Ela reprovou quem ou o quê?: Você ou alguma de suas (dele) atitudes? Contive-me; afinal, tratava-se de um colega de profissão.
Achei que o caso fosse uma exceção. Qual o quê!... Na sala dos professores, ouvi vários repetirem o verbo reprovar, num contexto passivo, sem o se da passiva sintética e com a regência errada. Era “reprovou” pra lá, “reprovou” pra cá...
Ultimamente, devido à iminência da Reforma da previdência, sou obrigado a escutar (dói-me o ouvido!) frases do tipo:
- Ainda bem que minha esposa já aposentou (sic).
Pelos exemplos aludidos e pelas repetições ouvidas no dia a dia, presume-se que sepultaram – de vez – a voz passiva sintática e o se exigido por ela, mudando-se, inclusive, a regência do verbo.
Ora, nos exemplos citados, o verbo deveria haver sido usado na voz passiva: na analítica ou na sintética. O professor em questão deveria ter dito:
Essa aluna foi reprovada (por mim). Ou
Essa aluna se reprovou. Ou:
Essa aluna reprovou-se.
No caso da aposentadoria, o falante deveria ter dito:
Ainda bem que minha esposa já se aposentou. Ou
Ainda bem minha esposa já está (ou foi) aposentada.
E POR FALAR NISSO...
Observemos esta manchete, da Folha de São Paulo:
“Morta aos 95 anos, Glória Vanderbilt foi símbolo da aristocracia de NY.”
O que você pensaria ao ler essa manchete, leitor? Que a mulher em questão foi morta, não? Só que ela morreu em consequência de um câncer no estômago...
Sempre fiquei intrigado com esse uso inadequado e indiscriminado do particípio morto, em praticamente todos os jornais do país. Atribuo tal erro ao vício inadmissível de se estudar o Português, decorando.
O erro da matéria ocorre devido ao seguinte:
O particípio irregular dos verbos matar e morrer é o mesmo: morto:
Ele foi morto pelo colega.
Ele estava morto.
No caso da manchete citada e de tantas outras (no mesmo sentido) que se repetem, seria preferível usar o verbo falecer:
Falecida aos 95 anos, Glória Vanderbilt (...).
Da maneira que foi redigida, a manchete dá a ideia de que a mulher foi assassinada.